Castro Alves — Poesia e Mendicidade

I Senhora! A poesia outrora era a Estrangeira, Pálida, aventureira, errante a viajar, Batendo em duas portas — ao grito das procelas — Ao céu — pedindo estrelas, à terra — um pobre lar! Visão — de áureos lauréis — porém de manto esquálido, Mulher — de lábio pálido — e olhar — cheio de luz. Seus passos nos espinhos em sangue se assinalam... E os astros lhe resvalam — à flor dos ombros nus... II Olhai! O sol descamba... A tarde harmoniosa Envolve luminosa a Grécia em frouxo véu. Na estrada ao som da vaga, ao suspirar do vento, De um marco poeirento um velho então se ergueu. Ergueu-se tateando... é cego... o cego anseia... Porém o que tateia aquela augusta mão?... Talvez busca pegar o sol, que lento expira!... Fado cruel..., mentira!... Homero pede pão! III Mas ai! volvei, Senhora, os vossos belos olhos Daquele mar de abrolhos, a um novo quadro! olhai! Do vasto salão gótico eu ergo o reposteiro... O lar é hospitaleiro... Entrai, Senhora, entrai! Estamos na média idade. Arnês, gládio, armadura Servem de compostura à sala vasta e chã. A um lado um galgo esvelto ameiga e acaricia A mão suave, esguia — a loura castelã. Vai o banquete em meio... O bardo se alevanta Pega da lira... canta... uma canção de amor... Ouvi-o! Para ouvi-lo a estrela pensativa Alonga pela ogiva um raio de langor! Dos ramos do carvalho a brisa se debruça... Na sala alguém soluça... (amor, ou languidez?) Súbito a nota extrema anseia, treme, rola... Alguém pede uma esmola... Senhora, não olheis!... Assim nos tempos idos a musa canta e pede... Gênio e mendigo... vede!... o abismo de irrisões! Tasso implora um olhar! Vai Ossian mendicante... Caminha roto o Dante! e pede pão Camões. IV Bem sei, Senhora, que ao talento agora Surgiu a aurora de uma luz amena. Hoje há salário pra qualquer trabalho, Cinzel, ou malho, ferramenta ou pena! Melhor que o Rei sabe pagar o pobre Melhor que o nobre — protetor verdugo —! Foi surdo um trono... à maior glória vossa... Abre-se a choça aos “Miseráveis” de Hugo. Porém não sei se é por costume antigo, Que inda é mendigo do cantor o gênio. Mudem-se os panos do cenário a esmo O vulto é o mesmo... num melhor proscênio... V Hoje o Poeta — caminheiro errante, Que tem saudades de um país melhor. Pede uma pérola — à maré montante, Do seio às vagas — pede — um outro amor. Alma sedenta de ideal na terra Busca apagar aquela sede atroz! Pede a harmonia divinal, que encerra Do ninho o chilro... da tormenta a voz! E o rir da folha, o sussurrar da fala, Trenos da estrela no amoroso estio, Voz que dos poros o Universo exala Do céu, da gruta, do alcantil, do rio! Pede aos pequenos, desde o verme ao tojo, Ao fraco, ao forte... — preces, gritos, uivos... Pede das águias o possante arrojo, Para encontrar os meteoros ruivos. Pede à mulher que seja boa e linda — Vestal de um tipo que o ideal revela... Pois ser formosa é ser melhor ainda... Se és boa — és luz... mas se és formosa — estrela... E pede à sombra, pra aljôfar de orvalhos A fronte azul da solidão noturna, E pede às auras, pra afagar os galhos. E pede ao lírio, pra enfeitar a furna. Pede ao olhar a maciez suave Que tem o arminho e o edredom macio, O aveludado da penugem d’ave, Que afaga as plumas no palmar sombrio. E quando encontra sobre a terra ingrata Um reverbero do clarão celeste, — Alma formada de uma essência grata, Que a lua — doura, e que um perfume veste; Um rir, que nasce como o broto em maio, Mostrando seivas de bondade infinda, Fronte que guarda — a claridade e o raio, — Virtude e graça — o ser bondosa e linda... Então, Senhora, sob tanto encanto Pede o Poeta (que não tem renome) — Versos — à brisa pra vos dar um canto... Raios ao sol — pra vos traçar o nome!...


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